sexta-feira, setembro 14, 2007

Tema de amor

Maria não entendia muitas coisas. E não era porque ela não tinha capacidade. Era porque a pequena das pessoas ao seu redor não fazia o menor sentido. Nos idos de 64, num colégio interno de freiras numa cidadezinha perdida no interior do Paraná, não havia muito o que se planejar, discutir ou sonhar. Mas Maria* não se contentava com as explicações toscas sobre isso ou aquilo, ela não se conformava com um futuro pré projetado ou um presente enjaulado entre as quatro paredes daquele internato.
Maria resolveu se afiliar a um clube de cartões postais. Tudo o que ela tinha que fazer era mandar alguns postais do seu lugar, e recebe postais de todos os lugares do mundo. E foi assim que aos 15 anos Maria conheceu o mundo de dentro daquele internato perdido em Campo Largo.
Assim como toda jovem, Maria sonha com um príncipe encantado. E como todos nós sabemos, príncipes encantados existem, no nosso imaginário, mas raramente se transportam para a nossa dimensão. E eis que Maria recebeu um postal de João*, do Piauí.
Maria e João evoluíram dos postais às cartas e nelas relatavam seus sonhos, anseios e desejos. Maria via na caligrafia de João arte, a representação gráfica de todos os seus sonhos de adolescencia. E João via nas cartas de Maria a princesa com quem ele havia sonhado por tanto tempo. Porque, sim, príncipes adolescentes também sonham com suas princesas.
Nos idos de 64 as comunicações não eram muito favorávies a jovens enamorados separados por 3.000 quilômetros. Então Maria, por mais que tentasse recorrer aos diretórios telefônicos quando suas cartas começaram a ficar sem resposta, teve que se cresignar e aceitar que havia perdido o contato com João, o seu príncipe piauiense. Mas nunca, nunca Maria esqueceu o traçado perfeito das letras de João ilustrando seu nome, que soava como o nome de um verdadeiro príncipe: João Ademar Rebelo Bateias

43 anos mais tarde, Maria deixou dos postais e aderiu à tecnologia. Digitou, como faz vez por outra, o seu próprio nome no Google, decerto para ver o que andam falando dela na rede. Eis que surge um comentário num dado site, de alguém querendo entrar em contato com Maria dos Santos Brandão. Maria mal pôde acreditar ao ver o nome de João Ademar Rebelo Batista estampado num comentário deixado naquele site sobre meio ambiente. Maria havia comentado uma matéria que lera há seis meses atrás em uma página não tão popular quanto alguns blogs famosos... João encontrara o seu nome e três meses após o seu comentário, deixou um comentário tentando encontrar um endereço de email para Maria. Maria dos Santos Brandão era um nome absolutamente incomum e só poderia haver uma.
Maria procurou por João no orkut, busca que se tornou muito mais efetiva que aquela feita em catãlogos telefônicos em 1964. E Maria encontrou o seu João. E João e Maria se falaram ao telefone, e o tom dele era tão suave que Maria mal podia acreditar. Ela o ouviu falar dos seus sonhos de adolescência e como Maria era a sua princesa encantada.
Durante os 43 anos que os separaram, Maria casou-se, divorciou-se, teve duas filhas, namorou, e continuou a esperar ou a buscar o homem da sua vida.
João casou-se, teve quatro filhos, e ao que se sabe, continua casado.

Essa é a história de amor de João e Maria. E termina assim, sem fim. Porque minha mãe, Maria, ainda não sabe o que vai acontecer. Mas é a história de amor dela, e é linda. E eu quis escrever.

*Os nomes, obviamente, foram mudados. Mas a história não.
© 2006 Neurótica